Eu não vos tinha dito que de noite ia pensar numa maneira de me livrar das talas? Ora se bem o disse, bem o fiz! Não sou homem para desistir assim facilmente…
De manhãzinha bem cedo, quando já entrava alguma luz pelo meu quarto a dentro, acordei e vi que a minha mãe estava a dormir. Perfeito! – pensei.
E lá comecei eu a observar aquelas coisas que me deixavam os braços sempre esticados… Com uma mão, tentei alcançar a outra e consegui. Puxei para baixo a ver se aquilo saía, mas nada… Puxei um atilho que lá estava e zás, primeiro nó desatado! Depois foi só puxar mais um pouco, sempre com a ajuda da mão contrária, e pronto, livrei-me das talas!
Com os braços livres, aproveitei para arrancar aquela ligadura infernal à volta da minha cabeça e do meu pescoço! (Missão cumprida!) Era, finalmente, um homem livre! Ah, que fresquinho…
Depois de ultrapassar mais este desafio que esta gente me colocou, chamei pela minha mãe para mostrar-lhe que tinha finalmente conseguido. (Sabem, para ela ter orgulho de mim, que conseguira resolver sozinho este problema que me atormentava… ).
Ela levantou-se para me ver e olhou para mim com uma cara – parecia que tinha visto um fantasma!!! Cruzes credo, eu todo contente pela minha nova conquista, e ela assim com ar de espantada.
- Eu sei, mãe, eu sou um filho muito esperto, podes admitir!
Sem perceber muito bem a reacção dela (que deve ter visto a minha cabeça rapada, e mais uns quantos pontos pela orelha acima), acendeu a luz num ápice e chamou a sra. enfermeira.
- Ai, o terrorista! - disse ela, quando chegou ao quarto.
Terrorista??? Primeiro chamam-me de talibã por causa do turbante à volta da cabeça, e agora que já não o tenho, ainda me chamam de “terrorista”?!
Enfim… vá lá perceber-se esta gente crescida…
A sra. enfermeira voltou a colocar-me um penso e uma ligadura à volta da cabeça… e tive que me contentar. Parece que não iam desistir… Mais tarde, o sr. Doutor veio ver-me e disse ao meu pai que ele tinha que me pôr, além das talas, umas meias nas mãos!
- Olha, olha, mas quem é este para vir aqui dar ideias loucas aos meus pais?
Depois, veio outro sr. Doutor ver “o caso”, conhecer o “terrorista” ao vivo. Levaram-me para o bloco operatório mais uma vez, anestesiaram-me de novo e quando acordei tinha um penso novo na cabeça e um atrapalho no pé, ligado a um fio. (Isto porque, na noite anterior, foram ver se eu tinha o cateter bem colocado e pumba, ele fugiu! Tentaram colocar-me outro mas eu dei tanta luta que todas as minhas veias fugiram a sete pés daquelas agulhas intrometidas! Não restou outra solução senão anestesiar-me de novo para colocarem o cateter!)
Depois disso, dormi uma soneca imensa em cima da barriga do meu pai! Ah, soube-me tão bem! Mais tarde, recebemos uma visita surpresa. Imagem só quem veio ver-me? A tia Margarida, isso mesmo! Veio de Faro, de autocarro. Viajou um dia quase inteiro só para me ver… tão querida! E vai cá ficar até segunda-feira!
Esta noite, o meu pai ficou comigo no Hospital e a minha mãe foi dormir para a pensão com a tia Margarida.